O Rio de Janeiro está correndo um sério risco de ficar sem luz no próximo ano. Isso mesmo! A empresa que administra o setor de energia elétrica do estado, a Light (LIGT3), está passando por graves problemas financeiros e corre sérios riscos de não conseguir honrar suas dívidas de curto prazo e ir à falência.
Se já não bastasse estar num mar de dívidas, um dos maiores acionistas da Light também está envolvido na crise da Lojas Americanas, que estourou recentemente. Beto Sicupira, que é um dos acionistas de referência da Americanas, tem mais de 10% das ações da Light, ficando atrás apenas do fundo Samambaia, do bilionário Ronaldo Cezar Coelho.
Mas como a Light chegou nesse ponto? Vamos te contar tudo nesse artigo.
História da Light
A Light começou seus serviços em 1899, atuando no estado de São Paulo. A empresa tinha sede em Toronto, no Canadá. 6 anos depois, os sócios canadenses queriam expandir as atividades pra fora do estado paulista. Então, em 1905 fundaram a Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company, primeiro nome da atual Light.
O crescimento da Cidade Maravilhosa no início do século passado foi fundamental pro crescimento da Light ao longo dos anos. Mas, após a ditadura de Getulio Vargas, o governo federal tinha uma nova estratégia pra desenvolver o setor de eletricidade nacional: estatizar tudo.
Quase todos os setores industriais brasileiros foram estatizados no curto período democrático que tivemos até o inicio da ditadura militar. Durante os governos militares mais empresas também foram privatizadas, dentre elas, a Light. No Rio, ela era controlada pela Eletrobrás, sendo uma das principais responsáveis pelo fornecimento de energia em todo estado fluminense.
Após o fim da ditadura militar e com a redemocratização, a Light foi leiloada e em 1996 foi adquirida pelo consórcio formado por grandes empresas de energia elétricas, como a EDF Internacional e a AES Corporation. Atualmente a composição acionária da empresa é a seguinte: Samambaia FIA (20,01%), Santander PB FIA 1 (10,16%), BlackRock (9,29%) e demais acionistas (60,54)
A Light nos dias de hoje
O grupo atualmente é responsável por gerar e distribuir eletricidade pra mais de 30 municípios fluminense. A empresa possui uma capacidade instalada de mais de 850 megawatts e 5 usinas hidrelétricas.
Mas toda a história da Light corre risco de ter um triste fim após uma notícia que ligou o alerta dos investidores em relação à companhia. O colunista do “O Globo”, Lauro Jardim, publicou que a Light tinha contratado a empresa de consultoria Laplace, conhecida por assessorar empresas que buscam recorrer à recuperação judicial. A notícia caiu como uma bomba no mercado e fez as ações e as debêntures da empresa despencarem.
A concessão dela no Rio, que é o que dá o direito a ela de funcionar tá bem perto do fim e vai acabar em junho de 2026. Além disso, a empresa tá com um alto endividamento que vem aumentando ao longo dos anos, muito por conta dos problemas operacionais que ela tem. A soma dessas três coisas tá colocando o futuro da companhia carioca em cheque.
Tudo começa com a sua dívida líquida, que chegou a R$ 8,7 bilhões no terceiro trimestre de 2022. Por causa disso, o indicador Dívida Líquida/EBITDA dela chegou na casa dos 3. Esse indicador é um dos mais usados pra medir o endividamento de uma empresa, onde a dívida líquida são todas as dívidas da empresa menos o que ela tem de dinheiro em caixa e o EBITDA é o lucro que ela tem antes de pagar suas dívidas.
Dividindo um pelo outro você chega num número. Quanto maior esse número, pior e o número 3 é uma referência pra muitas empresas. Acima desse valor, os investidores consideram um endividamento excessivo e menos do que isso, costuma ser aceitável.
Então, como o da Light tá em 3x, os investidores já acenderam um alerta. Além disso, nos empréstimos que as empresas fazem existe um contrato que obriga elas a não se endividar demais. No caso da Light, esse limite que a gente chama de covenant é de 3x pra maioria dos seus contratos. Ou seja, além dos investidores os credores da empresa também estão em alerta.
Pra piorar, cerca de 57% da dívida dela vence até 2025, que não é um prazo tão longo assim. Isso faz com que ela precise gerar fluxo de caixa rápido para pagar essa dívida.
Além disso, a região de metropolitana do Rio, área de operação da Light, é uma região com maiores índices de inadimplência e perdas do Brasil. São as chamadas perdas não-técnicas, ou em carioquês, “gato”. Se você não sabe “gato de luz” é a ligação elétrica clandestina com obejtivo de furtar eletricidade.
Esse tipo de ligação está presente em praticamente qualquer favela do RIo. Mas não vai pensando que é só pobre que faz gato não.
Talvez você não saiba, mas com os modelos novos de medidores de energia, dá pra cortar a luz de uma unidade direto da sede da empresa, sem precisar ir até o local. O problema muitas vezes é conseguir trocar os medidores pelos novos porque aí sim você tem que ir lá e nem sempre você é bem recebido, vamo dizer assim.
Pra você ter uma ideia, cerca de 20% da área de cobertura da Light está em locais dominados pelo tráfico de drogas e pelas milícias. Pra tentar diminuir o efeito dessas perdas nas suas receitas, as distribuidoras de energia podem repassar o prejuízo que elas têm com esses gatos para os consumidores que pagam a conta de luz. Ou seja, você tá pagando a energia de quem faz gato.
O problema pra empresa é que só parte desse prejuízo com as perdas podem ser repassados. O resto é prejuízo. A situação da Light com isso não nada animadora. No terceiro trimestre de 2022, esse índice das perdas não-técnicas foi de 53,72%. Isso quer dizer que mais da metade da energia distribuída ao consumidor final, não foi paga.
Como se não bastasse o problema com os “gatos”, a Light sofre também com o calote de clientes inadimplentes e de difícil recuperação, como a SuperVia, concessionária de trens urbanos do Rio que está em recuperação judicial, restringindo ainda mais o caixa da companhia.
Fora isso, também tem o fato da concessão dela vencer em 2026. Não é tão perto assim, mas a empresa precisa dizer até junho desse ano se pretende renovar ou não a concessão. É muito provável que ela diga que sim, já que mais de 90% da receita líquida dela vem da distribuição.
O que esperar pro futuro da Light ?
Bom, a gente sabe que a companhia precisa de dinheiro pra continuar operando, mas hoje ela está com o endividamento no limite e queimando caixa.
Mas, se a renovação não acontecer, a Light pode receber aproximadamente R$ 10 bilhões pelos ativos em que investiu e que ainda não foram depreciados. Este pagamento seria feito pelo próximo concessionário, mas pode rolar alguma negociação sobre esses valores e o prazo de recebimento do dinheiro.
Agora pensando na renovação, o que facilita é o fato de ser complicado achar alguém que queira operar essa região lotada de gato e criminalidade e entubar mais de 40% de perda.
Além da Light, ainda existem cerca de 20 contratos de concessão para vencer entre 2025 e 2031 e outras empresas como EDP, Energisa e Neoenergia podem se dar bem ou se dar mal nessas renovações.
Será que a Light também tem alguma prática contábil não revelada que nem foi o caso da Americanas? Será que a credibilidade da empresa no mercado pode piorar ainda mais por conta dessa ligação? Se você não tá entendendo o por que de tantas dúvidas é melhor você se aprofundar no que aconteceu com a Americanas no início do ano.
Fizemos também um vídeo explicando tudo que você precisa saber sobre a crise na Light
Light em Recuperação Judicial: Salvação ou Apagar das Luzes?
Desde a data em que este artigo foi escrito muita coisa aconteceu e a Light acabou pedindo Recuperação Judicial na sexta passada (12). A empresa passou o último mês negociando com seus credores, mais ou menos 30 mil, mas ao não conseguir negociar termos bons para os dois lados, a empresa não viu outra alternativa a não ser o pedido de Recuperação Judicial.
Pela nossa legislação, as concessionárias de energia não podem entrar em Recuperação Judicial, então o modo que encontraram para resolver isso foi pedir a recuperação pelo holding que controla as empresas.
O CEO da empresa, Octavio Pereira Lopes, em entrevista ao Brazil Journal, disse que a medida foi motivada pelo agressividade dos credores em relação à empresa.
No mês passado, a Light conseguiu uma liminar na justiça suspendendo o pagamento das dívidas, temporariamente, para ganhar um folego novo e montar um plano de recuperação da empresa e negociá-lo com os credores.
60 dias foi o período que a empresa se comprometeu a apresentar a proposta completa para todos os credores, mesmo que para a maioria dos credores a solução servisse, para alguns outros não, e esses são os que motivaram a decisão.
A dívida total da holding é de pouco mais de R$ 11 bilhões, desses, quase R$ 10 bilhões são de dívidas da Light distribuidora. Para o negócio ser viável, a Light precisaria de um haircut de, no mínimo, 30%.
E o que é esse haircut? O haircut nada mais é que o perdão de dívidas da empresa que está sendo recuperada, o que gera a redução do passivo, através de descontos ou até mesmo o perdão total da dívida.
Entre esse ano e o próximo, são R$ 6 bilhões em dívidas e amortizações, juros e outros pagamentos obrigatórios.
A pior parte, e muito provavelmente o que está afundando a situação da Light de vez, são as perdas não-técnicas que mencionamos mais acima no artigo. A Light só recebe 57% da energia que distribui, quase metade, é um índice muito baixo, se olharmos em comparação com outras distribuidoras pelo Brasil, vemos a diferença gritante no índice.
O problema maior é que todas essa perda está justamente localizada em área de domínio do crime organizado. Não dá pra simplesmente entrar lá e cortar o "gato", quer dizer, entrar dá, o difícil vai ser sair.
Além disso, várias empresas e empreendimentos também se utilizam do "gato" para ganhar alguma vantagem na conta de luz, quem acaba pagando por isso é o consumidor que paga as contas em dia e sem qualquer desvio na rede.
Menos pior que a Light consegue reaver 40% desses valores pela cobertura via tarifa. Mas 17% de perda ainda é bastante coisa e bem acima dos níveis das outras empresas do ramo.
Como dissemos, as concessões vencem em 2026, porém a empresa que renegociar a concessão pra ontem. Mas parece que algumas pessoas não querem isso. Como é o exemplo do Ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, que deu declarações bem contundentes contra a Light.
Alexandre disse que o problema da Light é específico de gestão, e que por isso a empresa não deve participar de novas concessões ou renovações nem buscar resolver os problemas com a Aneel e o ministério.
Mas se a gente olhar bem para a gestão da empresa, podemos observar vários nomes que vieram de algumas das melhores empresas do setor, como Firmino Sampaio, que presidiu a Eletrobras e foi conselheiro da Equatorial.
Algumas gestoras e grandes investidores aproveitaram a pressão nos papéis para aumentar participação na empresa, esperando a sua recuperação.
O que realmente parece ser o problema da Light são essas perdas, o número é alto demais pra ser ignorado e pra uma empresa que depende da distribuição com a Light (90% da receita vem da distribuição), esse valor faz muita diferença. Além disso, o estado do Rio de Janeiro e suas cidades vivem um de seus piores momentos, com gestões turbulentas e precarização do estado.
Vamos aguardar os próximos passos desse drama que vive a Light, e qualquer nova atualização traremos aqui neste post atualizando vocês de tudo o que precisa saber sobre a crise da Light.
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